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quinta-feira, 13 de maio de 2010

O papel do outro na escrita de sujeitos surdos


Publicado por Marcos Vinhal Campos
em 24 de maio, 2007

Livro da fonoaudióloga Ana Cristina Guarinello evidencia o papel exercido pelo outro na produção escrita dos surdos. Partindo de intensa pesquisa, a autora demonstra que é fundamental que esse outro tenha o domínio da língua de sinais para que a experiência com a linguagem escrita possa ser compartilhada de forma mais efetiva.

Tendo acompanhado, por meio da prática clínica, a dificuldade dos surdos na escrita da língua portuguesa padrão, a fonoaudióloga Ana Cristina Guarinello elaborou uma proposta de trabalho para auxiliá-los em sua produção textual. Sua análise demonstra que o surdo é capaz de escrever e aproximar seu texto do português padrão, desde que tenha a oportunidade de interagir com a escrita por intermédio de atividades específicas e trabalhos de parceria e atribuição de sentidos pelo leitor ouvinte. No livro “O papel do outro na escrita de sujeitos surdos” (Plexus Editora, 152 pp., R$ 28,90), a autora destrincha sua tese e dá uma importante contribuição para a área da surdez.

Ana Cristina dedica o primeiro capítulo, “Estudos sobre a surdez: concepções e práticas”, ao resgate da trajetória de iniciativas e tendências no ensino do surdo, de sua origem até a atualidade. É “uma breve revisão histórica sobre a educação dos surdos, destacando o lugar relevante que o desenvolvimento da fala sempre ocupou e o papel secundário que foi ocupado pelo ensino da linguagem escrita”, diz.

No segundo capítulo, “A proposta bilíngüe: língua de sinais e escrita”, a autora ressalta a importância de se coordenar os recursos de expressão pela língua de sinais e pela língua da comunidade majoritária em benefício do aluno. Referindo-se a estudos que indicam ser a produção de textos por surdos influenciada pela gramática da língua de sinais e pelas experiências com a língua portuguesa, Ana Cristina afirma que essa proposta “é considerada uma abordagem educacional que se propõe a tornar acessível à criança surda duas línguas no contexto escolar”. Essa constatação surgiu, segundo ela, com base em reivindicações dos próprios surdos pelo direito à sua língua, bem como em pesquisas sobre as línguas de sinais.

A tese de doutorado da autora, que dá origem ao livro, é apresentada no capítulo “Trabalhando a escrita na surdez”. Ana Cristina conta sua experiência com quatro sujeitos surdos, com idade entre 11 e 15 anos, que atendeu como fonoaudióloga pelo período de dois anos. Passo a passo, ela relata como foi o trabalho com cada um dos pacientes, com os quais utilizava textos de jornais, revistas, livros e gibis, entre outros, em intensivos exercícios. “Em todas as sessões procurou-se enfatizar a escrita em contextos significativos, nos quais a pessoa surda fosse capaz de interiorizar a língua portuguesa e perceber sua funcionalidade”. Tabelas, quadros e exemplos demonstram como se deram os exercícios, sempre contando com interlocutores capacitados, conhecedores da língua de sinais.

No capítulo “O papel do outro na escrita de surdos”, Ana Cristina explica a função de cada sujeito como agente desse aprendizado. Quando outras pessoas do convívio se dedicam a aprender a língua de sinais para interagir, cria-se a parceria necessária para colaborar no processo. A evolução de cada um dos surdos estudados é mostrada nos textos produzidos pelo processo de retextualização, ou seja, analisando a mensagem, escrevendo e reescrevendo, acrescentando, substituindo e eliminando elementos para aprimorar a escrita e melhorar o entendimento do que se pretende relatar no texto.

A conclusão da autora indica que “os surdos têm a capacidade de escrever textos bem estruturados, claros, organizados e com significação; para que isso aconteça, porém, são necessárias várias mudanças na sua educação”. Ela ressalta a importância da relação professor-aluno, terapeuta-paciente. “O professor/terapeuta deve ser o orientador, o mediador, o parceiro e o cúmplice na construção dessa língua, deixando o surdo livre para formular hipóteses até que chegue à escrita convencional socialmente valorizada”, conclui.

A autora

Ana Cristina Guarinello é fonoaudióloga, mestre em Educação pela Universidade de Bristol, Inglaterra, e doutora em Estudos Lingüísticos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente da graduação em Fonoaudiologia e do mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade de Tuiuti do Paraná, é organizadora do livro Linguagem escrita: referenciais da clínica fonoaudiológica, editado pela Plexus em 2003.